domingo, 30 de maio de 2010

Parafraseando Pessoa

Toma-me, ó noite, em teus braços
e embala-me o sono
faz-me descansar destes cansaços
onde os sentidos abandono.

Noite… ó noite
leito de fadigas e reparos
rejuvenescendo a dor de cada dia
com que me despertas… e vendes-me tão caros
os sonhos que matei quando nascia.

Mas toma-me, ó noite, em teus braços
e chama-me teu filho.
Eu sou alguém
que se perdeu nos sonhos de onde vem
e tenta descobrir um novo trilho.

Vadio das estrelas, vagabundo do luar
sou alguém que perdeu todos os bens
sem mais os recuperar
e dorme na noite, aconchegado
descansando nos seus braços, sossegado
e adormecendo a chorar…

Miguel Afonso

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Gemido

Andava um rio correndo
dentro do meu coração:
noite, fantasma gemendo
negritude, escuridão.

E a minha alma tardia
em lenta compreensão
tardiamente percebia
que era tudo uma ilusão.

Era tudo uma ilusão
era pura fantasia:
apenas meu coração
que pela noite gemia...

MIGUEL AFONSO

No curso do rio dos meus dias

No curso do rio dos meus dias
Procuro na noite a calmaria.
Mas a noite foge
A manhã urge
E chega então o dia e a ventania.

No curso do rio dos meus dias
Procuro desviar-me de incertezas.
Mas a direcção falha
Meu barco encalha
Sem que alguém ouça as minhas rezas.

No curso do rio dos meus dias
Nem sei se não navego ou naveguei.
Tudo me é vago
Dentro do que não trago
Na minha alma de poeta e rei…

MIGUEL AFONSO