quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Desencontro

A rua em que andavas, naquela tarde de inverno,
foi para mim sinónimo de primavera. Naquela tarde
as flores perfumaram o meu tempo, o espaço à tua volta
era a luz que te envolvia no meu sonho.

Mas de todas as vezes em que lá voltei, nada
encontrei desse jardim, da música que ouvi na praça,
do cheiro das flores. Apenas restava no ar uma espécie
de conquista, de silêncio cúmplice.

Caminhavas pela rua ao encontro do futuro, lá
ficaste a morar e não mais te vi.

Miguel Afonso

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Mar

Sou a onda de um mar desconhecido, a vaga
que inflama as marés... Ou serei nada... a gaivota,
a andorinha, navegando neste mar de lés a lés...

Miguel Afonso

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Saudade

A saudade ainda não matou o que resta de nós dois.
No silêncio da tua voz a nostalgia em que caí.
Cada passo que dou em direção ao esquecimento
transporta-me ao passado e a ti.

Vejo marés que transportam os meus sonhos
nas ondas o passado a emudecer.
Nem que o tempo acabe com quem fomos
jamais conseguirei te esquecer.

Miguel Afonso

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Caminhos

Eras caminho no deserto, rua da amargura,
viela pobrezinha. Nunca soube qual percorrer
para chegar ao teu destino.
À tua meta. Ao teu futuro. E fiquei
aqui parado, na berma da memória,
lembrando a estrada triste em que te perdi.

Nas encruzilhadas, da vida e da estrada,
escolheste sempre o lado errado.
Escolheste sempre o que não escolhi.

Miguel Afonso

quinta-feira, 21 de março de 2013

Facto

Passei seguramente pela vida ou pelo café
sem conseguir decidir o que beber ou escolher.
Facto é: escolher nunca me foi fácil.
Mas permitir que por mim escolham não é o melhor.

Não há solução, portanto, para a vida ou para o café.
Que nem sempre um é outro, mas por vezes.
E se isto nada significa, vou tomá-lo sem açúcar.

Miguel Afonso

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Desta vez

Vou pensar em vez de agir
vou acalmar o coração.

Todas as vezes em que agi sem pensar
senti a dor de te fazer sofrer.
Arrependida a alma.
Arrependidos os sentidos.
Arrependido de agir levianamente
eu seguia com o olhar as tuas mãos.

As tuas mãos não conseguem esconder a dor que sentes.
Contorcem-se. Tentam esconder-se.
Retorcem-te os cabelos.
Mas eu sei bem por que o fazem:
para disfarçarem a angústia,
a saudade, a nostalgia de amar
e não terem um rosto para acariciar.

Desta vez, vou pensar antes de agir.
Vou deixar-me abraçar.

Miguel Afonso

domingo, 27 de janeiro de 2013

Aroma de sargaços

Trazias as madrugadas
presas entre os dedos
as noites soltas nos cabelos
nos olhos toda a imensidão do mar.
Eu esperava-te no tempo
para te aconchegar nos braços
e contigo navegar.

Sereia adormecida
que nos sonhos se entregava à vida
e no tempo me chamava
eu queria ser esses sargaços
que te envolviam nos seus laços
quando o sono te embalava.

No tempo te busquei
quando a eternidade prometia
o que o sonho jamais prometeu.
Navegante de sonhos me fazia
entre as negras brumas e neblinas
em que a tua alma se escondeu.

Procuravas-me?
Jamais me procuraste.
Passaste por acaso nesta estrada.
Eu estendi os braços e os sentidos
e libertei de ti as madrugadas
dando às noites o que a elas pertencia.

Os sonhos, as marés do teu olhar
as tempestades... tudo devolvi
que o tempo já deixou de te afagar.
E é agora nos meus braços
que sentes o aroma dos sargaços
nos meus olhos vês a imensidão do mar.

Miguel Afonso